domingo, 29 de janeiro de 2012

Nos bastidores da escrita


Contista e romancista, Jeanette Rozsas enriquece hoje o universo ficcional brasileiro com abordagem de temas diversificados


Do mundo jurídico para o campo literário. Foi essa a mudança escolhida pela escritora paulista Jeanette Rozsas, criadora de uma prosa diversificada e rica, presente em obras como ‘Autobiografia de um Crápula’, ‘As Sete Sombras do Gato’ e ‘Kafka e a Marca do Corvo’.
Interessada pela leitura antes mesmo de saber escrever, Jeanette conta que a coleção do ‘Sítio do Pica-Pau Amarelo’, de Monteiro Lobato, foi o primeiro contato que teve com a literatura que permearia sua vida. Os livros eram sempre o pedido de Natal e foi grande a influência dos pais, também ávidos leitores.
Na adolescência, os nomes de peso da escrita brasileira estavam entre seus favoritos: Lygia Fagundes Telles, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Mário de Andrade, Clarice Lispector, Aluísio Azevedo. Dos estrangeiros vieram Somerset Maugham, Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Graham Greene e Herman Hesse, só para citar alguns.
Desde sua primeira publicação em 1996, com a coletânea de contos ‘Feito em Silêncio’, Jeanette segue, além de seus livros, com a participação em antologias e sites de literatura. Hoje ela é integrante da União Brasileira de Escritores (UBE).


L&I – Como foi a mudança de ares da carreira de advogada para a de escritora? Que relação você consegue estabelecer entre as duas áreas?
JR  Quando vi a importância que a escrita ficcional tinha em minha vida, decidi largar a carreira de advogada. A relação entre as duas áreas está na palavra: como advogada, sempre atuei na área consultiva, portanto lia, pesquisava e escrevia de manhã à noite. Além do mais, o parecerista deve ter o raciocínio claro e a linguagem enxuta, qualidades imprescindíveis no escritor.

L&I – Em ‘As Sete Sombras do Gato’, o protagonista vive uma série de eventos fantásticos e vai aos mais diversos ambientes recônditos. Como é criar essas passagens e visualizar os cenários da história?
JR  Um dos livros que mais gostei de escrever foi este. Ficcionei com total sentimento de liberdade. É um romance de contista, pois contém vários episódios, verdadeiros contos, alinhavados por uma trama que mistura gótico, detetivesco, referências literárias, lugares e paisagens distantes numa aventura delirante. O fio condutor é o gato. Como adoro viajar, paisagens e atmosferas diversas fazem parte dos meus livros, ainda que eu as inclua na trama de forma inconsciente.

L&I – Já na obra ‘Kafka e a Marca do Corvo’, você usou como protagonista o célebre escritor austríaco Franz Kafka. Como foi a experiência e o desafio de romancear a vida de um personagem real sem distorcer partes de sua história e ainda construir uma narrativa inédita?
JR – Posso dizer que foi penoso, angustiante e sofrido, mas altamente gratificante. A forma que ele se comunicava, mesmo em bilhetes de poucas linhas, era tão peculiar e genial que não havia como tentar reproduzi-la. Foram três anos de  muita pesquisa, noites insones, tentativas frustradas. Até que a idéia despontou: deixar Kafka falar por si próprio.  Tantas cartas, diários e a própria obra ofereciam material de sobra para que eu tirasse falas e pensamentos sem distorcer a história. A parte da ficção entrou na criação de situações onde esses diálogos ocorrem, com a maior fidelidade histórica e biográfica. Posso dizer que é um trabalho artesanal, um  verdadeiro quebra-cabeça. Mas valeu cada segundo. Afinal das contas, andei grudada na vida e obra de Kafka por vários anos, o que é uma experiência fantástica.

L&I – ‘Qual é Mesmo o Caminho de Swan’ é seu único trabalho com poesia?  Consegue ter uma preferência de gênero entre contos e poesias?
JR  Obrigada por considerar esse livro como sendo de poesia. Talvez você tenha encontrado nele a prosa poética de que tanto gosto. Na verdade, não escrevo poesia, a não ser algumas tentativas frustradas na juventude. Dos gêneros literários acho o conto o mais sofisticado e certamente o mais difícil. Uma palavra a mais ou fora de lugar pode estilhaçá-lo, sem possibilidade de salvação. A dificuldade já começa no nome. Nomear um conto  é uma arte. Fazer um livro de contos equilibrado e de qualidade é um feito.


‘Nomear um conto é uma arte. Fazer um livro de contos equilibrado e de qualidade é um feito’.


L&I – No romance ‘Autobiografia de um Crápula’, o foco é um tema caro a muitos escritores nos últimos anos: o mundo das organizações criminosas. O que te atrai e como é abordar temas de certo modo distantes de sua realidade?
JR  A vida é muito rica. Não faço literatura confessional. A realidade ficcional é sempre bem mais interessante, ainda mais quando nos colocamos como observadores. Falar sobre qualquer tema que possa dar um bom livro ou um bom conto, porque não? Quanto a usar organizações criminosas como trama em ‘Autobiografia...’ era quase inescapável. Este romancinho foi escrito para um concurso patrocinado pela Associação dos Magistrados Brasileiros e uma das personagens deveria ser um juiz federal, já que o crime organizado está dentro do âmbito de competência da Justiça Federal.

L&I – Como foi realizar a parceria com o escritor J. B. Gelpi para o livro ‘Morrer em Praga’? De que forma isso diferiu dos seus demais trabalhos?
JR  Esse foi o único livro que escrevi em coautoria, pelo menos até o momento. Com o J. B. Gelpi funcionou bem: ele tinha feito muitas anotações sobre o que pretendia escrever. Em cima desse material e das várias reuniões que tivemos, pude construir um romance no qual sua vida trágica era contada. O mais complicado foi escrever em primeira pessoa, como se fosse o próprio Gelpi narrando sua trajetória muito agitada, para dizer o mínimo. Tive que introjetar a sua voz e abster-me de deixar transparecer qualquer opinião própria ou juízo de valor, caso contrário perderia totalmente a verossimilhança.

L&I – Você já leu algum livro no formato digital? Acredita que esse será o padrão do futuro e vai ‘enterrar’ o papel?
JR  Só leio em formato eletrônico os livros para pesquisa. Os que são para o meu prazer têm capa, orelhas,  folhas, cheiro, cor e lugar na estante. No entanto, acho que mais cedo ou mais tarde, livros físicos  passarão a ser coisa de colecionador. Os e-books chegaram para ficar em razão do preço e da facilidade de reunir e transportar um sem número de títulos.

L&I – Você considera que publicar textos na Internet é um bom caminho para escritores iniciantes? O que recomenda para quem está começando no mundo da literatura?
JR  A Internet é um instrumento que ajuda muito, sem dúvida. Já tive textos publicados até mesmo fora do Brasil. Fui ‘encontrada’ por jornalistas e professores de literatura no universo virtual. Quanto a blogs e sites pessoais não sei responder, mas sem dúvida um bom site literário pode ajudar muito o escritor, seja ele novato ou não. Meu conselho é ler, escrever, ler, escrever, ler, escrever... Submeter seu texto para algumas pessoas e ouvir as sugestões, mesmo que não ache que deva incorporá-las.

L&I – Está envolvida em algum projeto atualmente? O que já pode nos adiantar?
JR – Sim, sempre. Não consigo ficar sem trabalhar. O meu novo projeto trata de três autores ingleses que tiveram vidas fascinantes e entrelaçadas. Por enquanto, não posso contar mais nada...

L&I – O que está lendo no momento?
JR  Eu estou sempre lendo. E mais de um livro. Um vai na bolsa, outro fica na minha mesa de trabalho, outro no carro, outro na cama. No momento estou lendo ‘Góticos - Contos Clássicos’, organizados por Luiz Antonio Aguiar; ‘Marina’, de Carlos Ruiz Zafón; e ‘Mano, a Noite Está Velha’, de Wilson Bueno. Sem falar nos livros de pesquisa referentes aos três escritores ingleses secretíssimos que fazem parte do meu novo projeto.

L&I – Na sua opinião, o que é um livro bom?
JR  Um livro bom, pra mim, não precisa ser sempre do tipo grande literatura, que vá modificar sua forma de ver o mundo. Ou como dizia Kafka, que seja ‘o machado para o mar enregelado que temos dentro de nós’. Na minha modesta opinião de escritora e sobretudo de leitora, a leitura pode ser agradável, a assim chamada literatura ligeira, desde que bem seja  escrita, trama redonda e bem cuidada, temática tratada de forma original.


‘Na minha modesta opinião de escritora e, sobretudo de leitora, a leitura pode ser agradável, a assim chamada literatura ligeira, desde que bem seja escrita, trama redonda e bem cuidada, temática tratada de forma original’.



http://www.ube.org.br/ (Site da União Brasileira de Escritores)