domingo, 22 de novembro de 2015

Historietas de terror ao redor do mundo



Separation, de Edvard Munch


FIM
Durante a infância, na casa em que morávamos, eu tive muitas vezes a visão de um homem sério, alto, que ficava a me encarar. Meus pais nunca acreditavam em mim e eu acho que eles nunca perceberam nada de errado. Como ficamos na casa por menos de um ano, depois de lá eu nunca mais vi aquele homem de novo. Mais tarde, quando já era adulto, resolvi pesquisar e descobri que um senhor morou na casa com a esposa, que acabou morrendo ao dar à luz. A criança também não sobreviveu. Sem ânimo para a vida, o homem optou por causar seu próprio fim.
(Joseph Wilder. Northampton, Inglaterra)



ELE FOI
Desde que meu marido morreu, eu não vivo mais. Cada retrato, quadro na parede, peça de roupa, o perfume, tudo que sobrou dele. Não me desfaço. Eu o sinto em cada canto da casa. Foram muitos anos de convivência. Não consigo largá-lo. Ou é ele que não pode ficar longe de mim. Uma mistura de saudade com o medo. Talvez eu nunca mais vou ser feliz de novo. Se não tivessem lhe tirado a vida, hoje nós estaríamos juntos, deitados em nossa cama. Não sei o que acontece do outro lado, mas deve ser melhor do que esse mundo sombrio em que estou.
(Giulia Cardinale. Siena, Itália)



VENTOS
Já tem muitas décadas que moro aqui nesta mesma casa e tenho que confessar. Sim, eu já tive algumas experiências bem incomuns. A que eu mais me lembro ocorreu quando meus filhos eram pequenos. Durante uma noite, eles me acordaram dizendo que havia duas crianças batendo na janela do quarto. Eu olhei bem ao redor da casa, mas nunca via qualquer sinal de gente. Nem de bicho. Era uma noite bem fria, o mar agitado e o vento não sossegava.
Conversando com pessoas mais velhas aqui da região, eles me falaram da lenda de dois irmãos que morreram afogados num naufrágio muito tempo atrás. Eles apareciam a cada ano para uma família que tivesse crianças, sempre no aniversário de morte.
(Marta Oliveira. Cabo Frio, Brasil)



LÁBIOS VERMELHOS
Como aqui é uma região afastada e cheia de montanhas, só de olhar a gente já se perde na paisagem. É tão bela, mas assusta também. Quando eu era moço, rapaz começando a viver, naquelas festinhas na comunidade, com as músicas e comidas que o povo sabia fazer tão bem, sempre vinham alguns visitantes, pessoas de fora, para confraternizarem com a gente.
Numa noite daquelas, veio uma moça tão bonita, das mais belas deste mundo. Tinha o rosto de um encanto que eu nunca mais tive a chance de ver na vida. Nas noites seguintes, nós sempre nos encontrávamos e tínhamos muita conversa. No começo era uma coisa ingênua, sem malícia, mas valia cada segundo. Depois não resistimos e nos entregamos. A moça dizia que estava acompanhada de uns parentes e sempre ia embora na manhã seguinte, no meio do grupo que vinha de fora. No último dia, antes de sair da cidade, ela deixou anotado o endereço de onde morava, um lugarejo que eu não conhecia, mais ao sul.
Quando resolvi ir até lá, acabei parando em uma colina, região afastada de casas. Aquele era o nome e o endereço da mulher. Laura. O sobrenome não me lembro mais. Estava morta ali, sua lápide de concreto rachado e a foto amarelada do rosto que me fascinou. Passados mais de sessenta anos, já viúvo e com meus filhos, netos e bisnetos, aqui ainda estou a me lembrar daquele rosto muito claro, como leite, olhos negros e os lábios tão vermelhos. Eu nunca mais a encontrei na minha vida.
(Christopher Wright. Whangarei, Nova Zelândia)



BEM-VINDO
Todo mundo vê fantasmas nesta cidade. É o estresse, a violência nas ruas, as tragédias na televisão, são as drogas, os remédios para dormir e sossegar. O que você espera? Algo diferente disso? Assombrações são o que menos me assustaria se eu visse por aqui. Ainda mais nos Estados Unidos da América.

(Dr. Daniel H. Robbins, PhD, psiquiatra, Nova York, Estados Unidos)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A morte é bem viva



Senhoras e senhores
Trago boas novas
Eu vi a cara da morte
E ela estava viva
Eu vi a cara da morte
E ela estava viva - viva!
(Cazuza - música "Boas novas")


Hoje comemoramos por aqui o Dia de Finados, ou Dia dos Mortos. Evento marcado, sobretudo, pela lembrança dos que já estiveram ao nosso lado, em tom saudosista e muitas vezes melancólico. Porém, em culturas como a mexicana, o dia é comemorado em cores vibrantes com festas de tradição indígena que procuram celebrar os mortos de uma forma alegre. Em meio a diferenças culturais e religiosas das mais variadas, a obsessão do homem pela morte é um dos temas mais recorrentes na filosofia e na literatura. Afinal, o que acontece depois que saímos daqui? Continuidade em outra dimensão, reencarnação ou simplesmente o fim total, como uma máquina que para de funcionar e nunca mais voltará?
Pegando desde uma obra clássica como a "Divina Comédia", de Dante Alighieri, e sua icônica divisão em Inferno, Paraíso e Purgatório, até o desespero de um homem tentando trazer seu filho e mulher mortos de volta à vida em "O Cemiterio" (livro de Stephen King e filme lançado em 1989 - foto acima), só viver não se mostra suficiente para nós. Precisamos saber se vale a pena acreditar na transcendência da matéria ou apenas que a vida é difícil e não há solução se não o conformismo de que não podemos mudar o que não depende de nós? 
A finitude ou não da vida neste planeta é um tormento que divide religiosos, céticos, médicos, cientistas e tantos outros que sentem um fascínio na busca por essa resposta. Hora marcada ou simplesmente acaso? Podemos procrastiná-la através de ações diárias ou viver despreocupadamente, já que mais cedo ou mais tarde ela vai chegar? Referência perfeita é o duelo de xadrez entre um cavaleiro e a Morte em "O Sétimo Selo" (1957), uma das obras-primas do cineasta Ingmar Bergman, artista que se aproveitou muito bem da angústia existencial e o eterno conflito entre homem e Deus.
Coincidentemente, os dois últimos livros que li também flertam com o fim da vida diretamente. Em "A Morte de Ivan Ilitch", de Tolstói, o personagem principal é um típico burocrata russo que achava que levava uma vida digna, com os valores de uma pessoa de elite, vivendo para agradar os outros. Mas ele percebe que se sente mesmo vazio, incluindo um casamento infeliz, enquanto agoniza de uma enfermidade e vê a cara da morte cada vez mais próxima.
A obra seguinte, também notável, é "Os Sofrimentos do Jovem Werther", do alemão Goethe. O livro é composto, em sua maioria, por cartas que o protagonista envia a seu amigo relatando  experiências profissionais, visões de mundo e o principal: sua imensa paixão por uma moça que está para se casar. E é justamente esse amor quase impossível, doloroso, que leva o jovem a entrar num estado de depressão e afastamento da realidade, culminando no que nem preciso dizer o que é.
Aproveitei essas pequenas analogias para falar sobre esse assunto que me intriga tanto. Não faço ideia do que acontece depois do aqui, mas sigo tentando e nada melhor do que ler bons escritores e escrever um pouco de vez em quando sobre o tema para compartilhar essas inquietações. E seguimos. Vivos.