quinta-feira, 9 de junho de 2016

Mulheres como inspiração (e cenas de uma nova história)





Sempre que paro para pensar em grandes filmes e peças de teatro que têm me fascinado, percebo que a maioria dela gira em torno de personagens femininas marcantes. Podem ser lindas, pavorosas, sedutoras, trágicas, doces, loucas, frágeis, duronas... Não importa. O que chama a atenção mesmo é o potencial dessas personagens e das atrizes que as interpretam e como revelam o que há de mais fascinante e sombrio nas demais mulheres e também em nós homens, que somos gerados no ventre desse que é o mais complexo dos sexos.
O que seria da dramaturgia sem a Medeia de Eurípedes, Julieta e  Lady MacBeth de Shakespeare e a Miss Julie de Strindberg? Sem citar as mulheres criadas pelo russo Tcheckov... No campo do cinema não dá pra esquecer tantas que nos fascinaram pela forma incrível como foram escritas e encarnadas, passando pela impaciente Norma Desmond de Gloria Swanson em "Crepúsculo dos Deuses" (1950), a frígida Marquesa Isabelle de Merteuil feita por Glenn Close em "Ligações Perigosas" (1988) e, mais recentemente, a Imperatriz Furiosa que Charlize Theron nos brindou em "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015).
Introdução e pequena homenagem feita a algumas dessas mulheres que me inspiram a escrever, deixo o trecho de uma peça que comecei no ano passado e não vejo a hora de concluir e poder assistir encenada pelas mulheres que lhe dão título.
Na cena a seguir, que acontece nos primeiros minutos, vemos o diálogo de duas mulheres que acordaram numa praça pela manhã. Uma já senhora e outra mais jovem. O resto é mistério até o texto integral ficar pronto.



CENA


REGINA
Bernadete, traga o meu café logo. Já devia estar aqui.

Maria José observa, de longe, sem entender qualquer coisa.

REGINA
Meu café, Bernadete! Perdeu a hora hoje? (ela olha para Madalena, ao seu lado) O que é isso aqui ao meu lado? É algum baile de carnaval? Que fantasia horrenda, meu Deus.

MARIA JOSÉ
Eu conheço a senhora? Alguém poderia me explicar como eu vim parar...

REGINA
Pare de brincadeiras, Bernadete. Eu sei que você deve ser a substituta da outra atriz, mas precisa saber suas falas de cor, Bernadete.

MARIA JOSÉ
Meu nome é Maria José...

REGINA
Mas isso não me importa. Se é Maria Cristina, Maria Rita, Maria Maria. O importante é que você está interpretando Bernadete. Ou foi mandada por acaso pra esse teatro?

MARIA JOSÉ
Isso aqui não me parece um teatro. É uma praça qualquer. Eu acordei aqui e a senhora também.

REGINA
E que fantasia é esta? Uma mulher fardada. Isso não existia naquela época. Bernadete era uma governanta. Não isso aí... Tem uma espingarda também?

MARIA JOSÉ
Sim... Essa fantasia aqui é a minha de policial também. É isso o que eu faço. Aponto arma e prendo pessoas. A senhora gostaria de ir também?

REGINA
Regina Cordeiro Magalhães. (colocando os óculos de grau) Realmente você não serve pra interpretar a Bernadete. Ela é muito mais velha que você. Você não deve ter mais do que 35. Eu nem falo porque tenho mais que o dobro. Onde está a outra atriz? (levantando-se) Eu consegui decorar todas as minhas falas. Os ensaios já acabaram? Como é que eu vim parar aqui?

MARIA JOSÉ: É o que eu tenho tentado descobrir durante os últimos minutos, senhora. Eu não me lembro de ter vindo aqui antes. 

REGINA
Será que fomos vítimas daquele golpe? Como se chama aquilo com nome de conto de fadas?

MARIA JOSÉ
É o “boa noite Cinderela”.

REGINA
Mas não é a Bela Adormecida que dorme profundamente? Meu Deus, será que fomos abusadas? Imagine um homem estranho tocando em mim a essa altura da vida... Faz tanto tempo que eu não sinto aquilo. E o pior é que eu não vi nada. Uma dama, num banco de praça, à essa altura da vida... Eu sempre soube que os herdeiros de meu finado marido fariam qualquer coisa pra ficar com os meus bens, mas isso? É um pesadelo? Preciso acordar. Dá uma sacudida em mim.